segunda-feira, 11 de outubro de 2010

INFÂNCIA (conto)

Lembro-me de meus cinco anos. Da vontade incrível de querer estudar. Levantava antes das irmãs e, mesmo com o frio abaixo de zero, ficava escondida, em pé, atrás da porta da cozinha. A caldeira, com as brasas do carvão da noite, ainda crepitava. Eu , alí quietinha, ansiava por, talvez, pegar carona nos livros das duas outras meninas mais velhas. Quando era descoberta, pelo pai já em vestes de saída,era repreendida e mandada de volta à cama.A bronca parecia séria. Eu me amedrontava e obedecia, correndo, às ordens do genitor. Debaixo de seu semblante austero, porém, havia um leve sorriso de quem perdoava a travessura da infância sedenta de cultura. Lindas e longas noites, também dias, de expectativa pela chegada do meu "grande dia". Quando, finalmente, poderia me sentar nos bancos escolares e iniciar meu caminho do saber.
O dia chegou. Não foi maravilhoso como esperado.Na verdade, nem me lembro! Quando dei por mim, já estava aprendendo a história de Romulo e Remo e da boa lôba que os amamentou. As letras já não tinham para mim o ar de mistério a ser desvendado. Desde os cinco anos brincava de escolinha com as mais velhas.
A irmã do meio foi a dedicada professora, que me ensinou a conhecer outros mundos através das palavras.
A história dos gêmeos, que deram origem à capital da minha "Bella Itália", nunca me saiu da cabeça. O leite generoso da lôba, tampouco. Assim como a porta da grande e calorosa cozinha. Grande para meus olhos de menina desejosa de aventuras, fora dos confins de nosso lar.
Da escola, hoje só me lembro da colega de banco, Gabriella. Com ela  dividia não só a carteira e o tinteiro, para a caligrafia exemplar, mas também, os segredos, risos e lágrimas daquela longinqua infância. Das primeiras lições de vida. Lembro do branco avental, com laço azul na gola. A pasta, de couro e de alça, com dentro o material que cheirava a novo. Os lápis apontados. Os cadernos encapados. Os livros, lotados de lendas e histórias de outros povos. Outras crenças. Outras cores. Outras vidas.
Não lembro dos dissabores. Do sacrifício. Primeiro o do pai, a pedalar às cinco da matina. Depois das irmãs, a correr pela longa avenida que separava a casa da escola. Longa e ladeada por frondosas árvores.
Os pés correndo e pisando as folhas outonais caídas pelo chão da rua. Os suspiros das velhinhas que, ao ver aquela tampinha vermelha correndo desembestada, não supondo que ela já tivesse oito anos, morriam de pena. Crentes que a pequena não passava dos cinco anos, ficavam horrorizadas ao ver as irmãs a arrastá-la, pois estavam em atraso. O coro das boas velhinhas ecoa até hoje em meus ouvidos: "pobrezinha, tão pequenininha!Que judiação!" A fúria e a ira que esses comentários me provocavam, são indizíveis. Ficava vermelha nas faces, como era nos cabelos. Estes são os primeiros anos de escola. Essas são as primeiras lembranças. Dante Alighieri. Nome famoso da escola da minha infância. Prédio enorme. Escola pública. Não recordo que existissem particulares. Se existiam deviam ser para os ricos. Não eram para nós. Filhas honradas de operário de siderúrgica. Sinto também o gosto das castanhas torradas em minha boca. Vendidas em pequenas porções pelas carrocinhas das esquinas da escola.  Escorre pelo meu paladar o sabor do creme ,vermelho e amarelo, dos doces chamados "boca de leão". Nós os comíamos caminhando pelos pórticos, enquanto a irmã mais velha ia à frente com o namoradinho. Rumávamos em conjunto, para o "Luna Park". Esse era o parquinho de diversões próximo de casa. Adorava ir no carrossel. Amava aqueles finais de manhã, nos brinquedos a girar e a rir das molecagens da tenra idade. Iámos, depois, em trio, para casa.
Lá, nossa zeloza mãe nos esperava com pantufas de pano, onde pisávamos e deslizávamos pelos caminhos dos corredores de casa, sem arranhar o pavimento. Na cozinha, a fumegar nos esperava um quente prato de minestra, que alimentava não só o nosso corpo, mas que enchia de calor e amor nossos corações e almas.
Até hoje esse calor é o alimento e o combustível que me mantém viva e feliz.

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